(Abril 5, 2022) O ano em um programa de treinamento no Brasil foi nada menos que uma oportunidade de vida para Shaji Thomas. Mal sabia o ambientalista nascido em Kerala que nas densas florestas da Amazônia ele encontraria um lar. Nos últimos 32 anos, Shaji arriscou sua vida em várias ocasiões, não apenas para salvar as florestas tropicais, mas também para elevar mais de 60 comunidades que vivem no coração da região. Apesar das lutas, ele não iria querer de outra maneira.
“Eu pretendia ficar neste país apenas um ano quando cheguei a São Paulo em 1989. Mas nunca poderia voltar, e essa é uma decisão da qual sempre me orgulharei”, compartilha o ambientalista, que mora em Belém, Brasil , durante uma entrevista com Índio global.
Uma pantera verde
Crescendo na vila de Ramapuram, no distrito de Kottayam, em Kerala, Shaji era o terceiro dos seis filhos da família. Seu pai era um político local e sua mãe, uma dona de casa. Home tutorado nos primeiros anos de sua vida, o ambientalista era brilhante com os números. “Eu até passei no vestibular da Indian Sainik School, mas minha mãe não era a favor de me mandar para longe”, ele compartilha, acrescentando que a natureza o intrigava desde criança. Mas ele também gostava da escola. “Fui um bom aluno e participei de escoteiros e guias e NCC. Tínhamos terras agrícolas nas quais cultivávamos cacau, borracha, café, coco, arroz em casca e pimenta”, diz Shaji.
No entanto, quando seu pai pediu que ele se juntasse à política local, ele fez as malas e partiu para a Universidade de Mysuru para cursar ciências sociais, política e economia. Ao mesmo tempo, ele se formou em filosofia pelo Instituto de Vidyaniketan em Mysuru. “Durante a faculdade, tive a oportunidade de visitar Odisha, onde morei com comunidades tribais”, acrescenta Shaji.
Ao se formar, teve a oportunidade de fazer um ano de estágio no exterior em São Paulo pela Instituição Religiosa Sociedade do Trabalho Divino. Sem voo direto da Índia para o Brasil na época, ele passou uma semana viajando até seu destino. “Ninguém veio me buscar e eu não tinha dinheiro suficiente para pagar um táxi. Quase ninguém falava inglês e eu não sabia português. Felizmente, um taxista teve misericórdia de mim e me deixou no instituto”, revela o ambientalista.
Guardião da floresta
Embora fosse seu sonho, Shaji achou o Brasil “muito estranho” no começo. De adoecer depois de engolir uma xícara de caipirinha, que ele achava ser um suco para aprender português com um professor japonês, teve sua cota de momentos peculiares.
Mas foi o envolvimento de seu instituto em movimentos sociais em todo o Brasil que despertou seu interesse e compreensão dos problemas enfrentados por várias comunidades. Ele também mergulhou em um dos maiores movimentos da América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que “mudou” sua vida. Após a conclusão de seu treinamento, o instituto o convidou para estudar teologia, e ele decidiu ficar.
Em 1991, Shaji visitou a Amazon para passar férias, o que levou quatro horas de avião e 12 horas de barco para chegar. “Estava visitando a comunidade quilombola, que são pessoas afrodescendentes. Eu tinha ouvido histórias sobre sua hostilidade para com os visitantes. No entanto, minha experiência foi completamente diferente. O chefe deles me convidou para jantar e me ofereceu o primeiro prato de comida – o que é um sinal de respeito”, diz.
Foi quando tomou conhecimento dos diversos problemas enfrentados pelas comunidades. “A maior parte do Brasil é coberta pela floresta amazônica e muitas das comunidades que vivem aqui são afrodescendentes. Em um ponto, seus antepassados costumavam possuir essas terras, mas agora essas pessoas são assediadas pela máfia da terra, mineração, drogas e madeira. Eles pegam suas terras e os fazem trabalhar de graça. Eles não têm água potável, eletricidade, educação, nem acesso a um centro médico”, divulga o ambientalista.
Em 1993, voltou às florestas amazônicas para lutar pelos direitos dos povos indígenas e pela preservação do meio ambiente. Nos seis anos seguintes, viveu em um barco no rio Amazonas, visitando várias comunidades e ajudando-as em questões de conflito de terras.
Máfia, violência e tiros
Embora o ambientalista esteja feliz morando com sua família no Brasil, a jornada não foi tão tranquila. Trabalhando com mais de 60 comunidades, lutando por seus direitos, enquanto protege a floresta, Shaji teve problemas com as pessoas, incluindo a máfia da terra e da madeira. Ele não foi apenas ameaçado, mas também atacado por eles. “Algumas vezes a máfia da madeira até tentou afundar meu barco, mas tive sorte de escapar”, diz Shaji. Poucos de seus amigos, incluindo a famosa ativista brasileira Dorothy Stang, no entanto, não tiveram a mesma sorte e foram baleados pela máfia da floresta. “Trabalhei com Dorothy na mesma organização de proteção aos moradores da Amazônia. A morte dela foi um grande golpe, mas sabíamos que não podíamos parar de lutar”, compartilha a ativista.
Embora ele continuasse a lutar pelos locais, seu status de estrangeiro muitas vezes trabalhava contra ele. “Para provar a eles que eu não ia embora, tirei a cidadania brasileira em 2003”, diz Shaji. Percebendo que entender a lei da terra o ajudará a atender melhor essas comunidades, Shaji decidiu cursar Direito na Faculdade Estácio do Pará, em Belém, em 2007.
Milhas para ir…
Depois de três décadas, Shaji continua trabalhando com as comunidades. Morando em Belém, com a esposa Elysangela Pinheiro, advogada brasileira, o filho Santosh, de 17 anos, e a filha Sofia, de quatro anos, Shaji sente que ainda há muito a ser feito. “Até 2002 essas pessoas não tinham ajuda do governo. Embora a situação tenha melhorado após a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, os governos subsequentes não trabalharam para a melhoria dessas comunidades. Não há medidas para controlar a grilagem de terras. Vários projetos hidrelétricos foram implantados na Amazônia, por causa dos quais a enorme biodiversidade da região – a maior do mundo – está submersa”, explica.
Atualmente trabalha como pesquisador na Universidade Federal do Pará, em gestão de recursos naturais e mudanças climáticas. Ele vem realizando diversas ações de arborização e oficinas de conscientização jurídica para as comunidades indígenas. Nos tempos livres, adora cuidar da horta com o filho ou fazer longas caminhadas com a família ao longo do Amazonas.
Embora o casal tenha visitado a Índia há alguns anos, Shaji não tem muito contato com sua família. “Meu pai não existe mais, mas minha mãe ficou muito feliz com minha visita”, conclui.
Bom trabalho